quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Artigo: O fim das rádios comunitárias

Em 1999 participei de um workshop na cidade do Rio de Janeiro sobre comunicação comunitária. Algumas figuras importantes no cenário carioca de radiodifusão como Ismael Lopes (Novos Rumos), Taís (CEMINA/Rádio Bandeirantes) e Marco Aurélio (CBN).
Nesse seminário chamaram-me a atenção dois detalhes importantes: Na explanação de Ismael, fundador da Rádio Novos Rumos de Queimados/RJ (uma das mais antigas rádios comunitárias do Brasil), ele falava sobre o sistema de organização que havia para que a democracia da rádio funcionasse como uma perfeita engrenagem, com a participação de toda a comunidade no processo - A rádio era verdadeiramente feita pela comunidade.
Num segundo momento, o jornalista Marco Aurélio expôs, entre outros itens não menos importantes, uma visão futurística sobre a comunicação no planeta. Vale lembrar que naquela época a internet ainda engatinhava e as rádios ditas comunitárias viviam seu auge. Sua teoria se baseava no processo de globalização que o mundo começava a enfrentar e que assustava a todos os que torciam o nariz para o chamado Neoliberalismo.
Marco Aurélio afirmava que, num futuro próximo, apenas 30% da população mundial teria acesso total aos veículos de comunicação disponíveis, podendo se interligar uns com os outros utilizando as novas ferramentas tecnológicas que cada vez mais se desenvolveriam. Esses 30% estariam mais concentrados na Europa, Ásia e América do Norte. Enquanto isso, os outros 70% viveriam à margem desse eldorado tecnológico e que a salvação seria a difusão da comunicação comunitária. Esse montante estaria concentrado mais precisamente na América Latina e continente africano.
É interessante dizer que, nessa época, alguns países da América Latina (como Chile e Equador) já dispunham de uma avançada legislação à respeito da radiodifusão comunitária.
O tempo passou e, após momentos turbulentos vividos pela economia mundial, após colapso do próprio mercado globalizado que quebrou países ricos, atentados terroristas de grande envergadura mundial, guerras internacionais, ao mesmo tempo em que as novas tecnologias ganharam uma proporção jamais imaginada com produções em larga escala para atingir o maior número possível de pessoas, podemos dizer que tal teoria fora por água abaixo.
A população em geral passou a ter acesso à tudo e a comunicação feita em via de mão dupla se tornou algo corriqueiro, seja na tradicional Europa, ou em países emergentes como o próprio Brasil.
Paralelamente ao crescimento do acesso à tecnologia de informação, ocorreu um efeito inverso na comunicação comunitária como ela fora concebida no início dos anos 90. Salvos alguns casos isolados como em favelas de grandes capitais, o movimento de rádio comunitária perdeu fôlego com o passar dos anos. Aqui posso citar alguns fatores importantes que teriam contribuído para o fracasso do movimento:
- Demora na regulamentação da Lei de Radcoms: Apesar da lei ter sido sancionada em 1997 no Brasil, demorou-se muito tempo para regulamentá-la. Nesse meio tempo, muitas entidades desistiram ou, desafiando a legislação, colocavam suas rádios no ar e acabaram tendo seu processo manchado por ocorrências de intervenções da Polícia Federal, muitas vezes até com apreensão de equipamentos.
- Muitos oportunistas aproveitaram-se do movimento para faturar: Montaram suas rádios musicais ou religiosas e passaram a ganhar dinheiro com isso sem se preocupar com a questão comunitária.
- A comunidade, por sua vez, foi perdendo identificação com o movimento, pois começou a se sentir contemplada com o processo de inclusão digital, ou mesmo pelos próprios grandes veículos que começaram a voltar seus olhares á comunidade, pois estavam perdendo espaço. Paralelo a isso ainda tem a questão das incursões da PF, o que propaga a sensação de ilegalidade entre as pessoas, fora as questões disseminadas pela grande mídia quanto á interferência em comunicação de aviões.
- Os arranjos políticos que contemplaram certas entidades, mancharam a credibilidade do processo de legalização de muitas emissoras, fazendo com que muitos radiodifusores comunitários atuassem de forma ilegal, sem nem mesmo entrarem com processo para legalização de suas rádios.
- Por sua vez, o processo de legalização de uma rádio, além de muito moroso, é extremamente custoso pois depende de tramites burocráticos que demandam certo custo que muitas vezes não cabem no orçamento dessas comunidades, muitas delas operando suas entidades com o mínimo possível de recursos.
- Outro fator que dificultou a disseminação do movimento foi a captação de recursos. A lei de RADCOMs basicamente engessa qualquer possibilidade nesse sentido, pois não pode explorar espaços publicitários em sua programação.
- Por fim a limitação de sinal e a padronização da frequência em 87,5 que juntos, foram responsáveis por dar fim ao último suspiro dessas rádios. Atualmente, até mesmo as emissoras que já tiveram seus processos concedidos, têm extrema dificuldade de tocar a programação, pois não têm adesão popular, nem recursos financeiros.

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